terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Ponta do Corumbau

DIÁRIO - 06/04/1990 –

Cada dia é especial por si
Um novo sol nascendo
Um novo sol se pondo

Seja por mais um dia de Vida
Com um novo sentir e pensar
Como por mais um instante de contemplação do eterno

A natureza (Vida) segue o seu curso
Vivendo e aprendendo a viver
A Perfeição do Real.


            Em Corumbau havia um único armazém, que até tinha o que precisávamos – que não era muito, mas que era bem mais caro. Assim sendo, uma vez por mês Gilberto ia até a cidade de Itamaraju para fazer as compras. Ele fazia questão de ir para poder matar sua vontade de comer pizza, dentre outras. Assim, no dia apropriado, eu e Marquinhos seguimos para encontrar com Gilberto no seu retorno, a fim de ajudá-lo a carregar as compras, que desta vez viriam na minha mochila. Para tanto, precisávamos caminhar 6 km até a Vila de Guarani, aonde o ônibus chegava de Itamaraju. Quase todo o caminho era pela praia e, mais adiante, cruzamos com três garotas, sendo que uma delas me chamara a atenção. Seguimos em frente e quando chegamos ao ponto final do ônibus, não encontramos Gilberto para nossa surpresa.  Aproveite e matei minha vontade de comer um chocolate, mais precisamente um Chokito, velho, seco e esfarelando, mas delicioso.

            Informaram-nos que viram o Gilberto indo pela estrada e não entendemos, pois pela estrada era muito mais difícil a caminhada, uma vez que a areia era muito fofa. Somente carros tracionados passavam por ali. Pouco depois encontramos Gilberto estatelado no chão, pois além do peso o calor era intenso. Sem falar que Gilberto era um cara muito magro, daqueles que as costelas costumam curvar-se para dentro, de tão magro. Perguntei:

            - Porque você veio por aqui?
            - É que tinha umas minas e eu segui elas.
            - To vendo que seguiu.

            Logo adiante, já na areia da praia, alcançamos as meninas e as ajudamos a carregar suas bagagens. Papo vai, papo vem e as convencemos a acampar no melhor local de Corumbau, com o único chuveiro existente. Tinha até uma barraca já montada. Assim, Sandra, uma morena alta; Lucia, a loirinha que me chamara à atenção e Roseana, uma alegre baixinha e gordinha, passaram a fazer parte do acampamento e da nossa convivência. Era um feriado de Páscoa e logo também chegara uma escuna, vinda de Porto Seguro, com mais turistas.

            O motivo das meninas estarem ali era que Sandra havia comprado um terreno naquela região. Quanto a Lucia e Roseana, como estavam desempregadas e sem rumo certo, resolveram se aventurar e quem sabe abrir algum negócio na praia.

            A presença das meninas deixara os meninos excitadíssimos. E eu me sentia profundamente ligado à loirinha. Não me saia da cabeça a primeira vez que a tinha visto, pois do olhar dela havia visto muita luz no entorno. É como se os olhos dela brilhassem, como se eles tivessem me iluminado, como se fossem dois sois. A todo o momento nossos olhos se encontravam e pareciam se comunicar com clareza, como que magnetizados. Eu ficava na minha e ela na dela, não nos falávamos muito. Sua aparência, por vezes, era séria e desconfiada. Na primeira noite, antes de dormir, deitamos todos fora da barraca, olhando o maravilhoso céu, nos conhecendo um pouco com um papo deliciosamente natural e despretensioso.
           
            No dia seguinte fomos com elas até o terreno e nossos olhares viviam se encontrando e se mostrando. Mais à noite fomos a uma festa não muito longe, onde um fazendeiro local iria matar um boi e patrocinar a festança. Lucia não me dera muita bola, no entanto nossos olhares viviam se cruzando. Na volta, com uma lua cheia maravilhosamente inesquecível nascendo no horizonte do mar, não resistimos e tomamos banho. Apenas eu e Roseana, que estava completamente bêbada, dizendo que queria dormir comigo. E assim foi, pois estava difícil dormir as três numa barraca para dois.

            O dia amanheceu igualmente lindo e Sandra, dizendo estar cansada de se trocar deitada, sem pudores coloca seu biquíni em pé fora da barraca, para espanto de Gilberto, que se ajoelha no chão e faz menção de rezar, dizendo:

            - Obrigado Senhor por esta visão. Há muito tempo que não via e continua igual. Muito obrigado.
            E todos caíram na gargalhada. Logo depois, Carica, um pescador carioca, que também se radicara ali, e de vez em quando aparecia no acampamento para papear, me indagou ao ver Roseana saindo de minha barraca, numa ressaca daquelas:

            - E aí Russo! Como foi?
            Carica costumava me chamar assim, talvez pelo tom avermelhado do meu cabelo e barba. Respondi:
            - Não aconteceu nada.
            - Como não?
            - Eu quero a loirinha – sentenciei.

            E chegou a terceira e última noite das meninas no acampamento, uma vez que elas conseguiram carona com a escuna, que partiria no dia seguinte cedo. Após a última noite de festa, onde cruzara com o olhar de Lucia apenas algumas vezes, e a vendo conversando com um dos rapazes da escuna, sem saber ao certo. Ao final, voltei para o acampamento e me sentei num tronco em frente à minha barraca. Algum tempo depois ela chegou, sentou-se do meu lado, nos olhamos e nos beijamos calorosamente. Que beijo gostoso! Entramos na barraca e tive uma noite inesquecível, onde dormimos o sono dos amantes, das almas que se reencontram. Alquimia perfeita.

            O dia amanheceu e rapidamente ela se despediu, dirigindo-se para a escuna, que logo partiria. Pouco depois, eu, em pé na proa do barco a motor de Caiçara, saia para pescar e a via mais uma vez na escuna, feliz por tê-la conhecido.


DIÁRIO – 17/04/1990 –

            Mulher. Como anseio por ti! Sei que não devemos forçar a barra com os futuros acontecimentos, deixando a cargo do bom Deus o pão nosso de cada dia como sendo o melhor alimento. Mas por ti mulher, anseio em cada instante de minha vida. Não apenas por mim, mas por nós que somos um só. Por mais forte que esteja, seguirei o meu caminho, mesmo que este anseio perdure por toda esta existência, pois sei que por mais que tarde, você virá. Pois sabes que te amo como a mais bela das flores que és, com toda a pureza de nosso ser, eterno casamento, que se aproxima a cada dia.


DIÁRIO – 11/05/1990 –

ANDARILHO

Caminhando por estradas estranhas
Na busca da paz de um abrigo
Ao raiar de um novo dia

Descobrindo-se mais e mais
Me reconheço na natureza
Na perfeição da Criação

Quero a verdade do viver
Para encontrar a paz do existir
Sendo o que sou

Por amor eu nasci
Vivo para amar
A luz do real.







Nenhum comentário:

Postar um comentário